Suponhamos que duas pessoas vão dar um passeio; a primeira desenha bem, a outra não tem qualquer inclinação para essa actividade. Suponhamos que tomam um caminho pelo meio da verdura. Os dois indivíduos perceberão dois espectáculos muito diferentes na mesma paisagem. Um verá o caminho e árvores; aperceber-se-à de que as árvores são verdes, embora não pense minimamente no assunto; verá que o sol brilha e que esse brilho produz um efeito agradável, e é tudo! Mas que verá, pelo seu lado, o desenhador? Os seus olhos estão habituados a investigar as causas da beleza e a penetrar os mínimos recessos das coisas que o atraem. Olhando para cima, observará como, num feixe de linhas luminosas, os raios de sol chovem e se derrama, lá no alto, sobre as folhas rebrilhantes, impregnando o ar de uma claridade esmeralda. Descobrirá aui e ali um ramo que aparece por entre o véu das folhas; verá, cintilando como uma jóia, o musgo esmeralda e o coloridofantástico dos líquenes, brancos e azuis, púrpura e vermelhos, que se misturam e fundem harmoniosamente num mesmo alarde de beleza.Seguir-se-ão, aos seus olhos, os troncos escavados e as raízes nodosas, que se agarram, com os seus anéis de serpente, ao declive brusco cuja terra coberta de relva se enfeita de flores de milhentos tons. Não será tudo isso digno de ser vist? E contudo, quem não saiba o que é desenhar, depois de percorrer o caminho ladeado de verdura, nada, ao chegar a casa, terá para dizer ou em que pensar, a não ser que passou pelo caminho em questão.
(John Ruskin, citado no livro A Arte de Viajar, de Alain de Botton)
Finalmente, encontrei uma justificação para o facto de me perder tanto nos pormenores... O desenho lá de cima foi feito numa tarde de pesca, no rio Sabor, com grafite e lápis de cor, no caderno de campo, nos minutos roubados a perseguir a mais pequenina, que entretanto se descalçou umas seis vezes e trepou a 90% das rochas das redondezas...É de notar que a admiração de Ruskin pelo desenho não se concentrava no talento do desenhador ou na qualidade do produto final (aliás, ele depreciava os seus próprios desenhos). Pelo contrário, ele via importância e valor no próprio acto de desenhar, pois acreditava que a sua prática nos ajudava a ver melhor.
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Let two persons go out for a walk; the one a good sketcher, the other having no taste of the kind. Let them go down a green lane…The one will see a lane and trees; he will perceive the trees to be green, though he will think nothing about it; he will see that the sun shines and that it has a cheerful effect; and that’s all! But what will the sketcher see? His eye is accustomed to search into the cause [my bold] of beauty, and penetrates the minutest parts of loveliness. He looks up, and observes how the showery and subdivided sunshine comes sprinkling down among the gleaming leaves overhead, ‘til the air is filled with the emerald light. He will see here and there a bough emerging from the veil of leaves, he will see the jewel brightness of the emerald moss and the variegated and fantastic lichens, white and blue, purple and red, all mellowed and mingled into a single garment of beauty. Then come to the cavernous trunks and the twisted roots that grasp with their snake-like coils at the steep bank, whose turfy slope is inlaid with flowers of a thousand dyes. Is not this worth seeing? Yet if you are not a sketcher you will pass along the green lane, and when you come home again, have nothing to say or to think about it, but that you went down such and such a lane.
(John Ruskin in The Art of Travel by Alain de Botton)
(John Ruskin in The Art of Travel by Alain de Botton)
I've finally found a justification for my habit of focusing on all the tiny details... The sketch above was made during a fishing afternoon at river Sabor. I made it in the few minutes of relative quietness, while I was not chasing my smaller daughter who meanwhile took off her shoes some half dozen times and climbed at least 90% of the rocks around us...
It is to note that Ruskin's admiration for drawing was not focused on talent or the final product – even Ruskin downplayed his own sketches as unoriginal and listless. Instead, he saw value in the action. The practice of drawing, he believed, evolves the individual from a “looker” to a “seer.”