Ontem fui com as miúdas à cidade, visitar o recém-inaugurado Centro de Arte Contemporânea Graça Morais. Ainda estávamos a estacionar o carro e já passava diante dos nossos olhos uma imagem que se tornou comum durante as férias escolares: filas de crianças, guiadas por monitores, munidos de sonoros apitos (que soam igualzinho aos da polícia), a caminho de mais uma actividade de ocupação dos tempos livres.
Chegadas ao Centro (cuja entrada – que bom! - é gratuita até ao final do ano), fomos prevenidas por uma funcionária, para termos cuidado nas escadas, pois andavam vários grupos dos tempos livres a visitar as exposições. Achei a recomendação estranha, mas rapidamente percebi a razão... As crianças corriam, literalmente, de sala em sala, encarregadas de descobrir determinados pormenores nos quadros (um título, uma técnica, etc.), como parte de jogos organizados. Que giro, pensei, é uma maneira engraçada de lhes chamar a atenção para as obras que depois, podem observar com mais calma e outros olhos. Só que o depois não veio. Os grupos sucediam-se uns aos outros a uma velocidade vertiginosa e não havia tempo para mais nada. A certa altura cruzei-me com uma monitora que comentava com outra, visivelmente enervada: “Temos que nos despachar, senão não conseguimos acabar, estão aí a chegar os outros quarenta!”. Enquanto nós víamos uma sala, passavam por nós dois ou mais grupos a correr. Que pena, pensei eu, que não tenham tempo para reparar no pormenor das folhas e das sementes coladas naquela tela que encantou a M. e a deixou a pensar em fazer “uns quadros das minhas histórias do Viki com umas colagens como estas”, ou para correrem na sala ampla, como a C., onde uma instalação nos permite deixar os nossos passos marcados no granulado espalhado pelo chão...
O desenho rápido lá de cima foi feito no final da visita, na esplanada do café do centro, situada num pequeno mas agradável jardim. As miúdas correram na relva, brincaram com a água da fonte, de onde “salvaram” um bicho-de-conta, beberam um sumo e também fizeram desenhos. Passámos aqui uns 20 minutos, se tanto. Neste espaço de tempo, vimos chegar e partir três grupos de miúdos. Entravam em fila, sentavam-se nas cadeiras da esplanada com ar afogueado e ao fim de poucos minutos, sem terem tido tempo para beber uma água que fosse, já estavam outra vez a formar filas em direcção à saída, sob o olhar atento dos não menos afogueados monitores.
Bem sei que para muitos miúdos, estas actividades são, provavelmente, a única oportunidade que terão de visitar um espaço como este. Mas há duas coisas importantes que estão em falta no meio de tudo isto: tempo e espaço. Para pararem e verem, em vez de correrem e olharem, para usufruírem do sítio onde estão ou, simplesmente, para não fazerem nada, se for isso que lhes apetecer. Como disse o jornalista João Pereira Coutinho, hoje “a criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis. E um exército de professores explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.” Esqueceu-se que a corrida começa normalmente mais cedo, aos quatro meses, quando o bebé vai para a ama. E que, aparentemente, não tem fim, pois nem nas férias os deixam descansar...
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Yesterday I took the kids to town, to visit the brand new Graça Morais Contemporaneous Art Centre. We were still parking our car and we already had before our eyes what has become a typical school holiday scene: lines of children guided by instructors, armed with whistles (that sound just like those of the traffic police), heading for one more holiday activity.
When we arrived at the Centre (free entrance until the end of the year – cool!), we were warned by the workers “Be careful in the stairs, there are several holiday activity groups visiting the exhibitions”. I found the recommendation weird, but soon understood the reason for it... The children ran – literally! - from room to room searching for specific details in the paintings (a title, a technique, etc.), as part of some organised game/contest. How nice, I thought, it's a clever way to call their attention to the pieces which they can later look at more quietly and with a different perspective. The thing is, that later moment did not happen. The groups of children followed each other at an astonishing speed and there wasn't time for anything else. At a certain point, I overheard an exchange of words between two visibly stressed instructors: “We have to hurry, otherwise we won't be able to finish! The other 40 will arrive at any minute!”. While the girls and I visited one room, two or three groups went past us running. What a pity, I thought to myself, that they won't have time to notice the detail of the leaves and seed glued to that canvas that M. liked so much and left her wanting to “make paintings out of my stories with collage like that” or run like C. across the large room, where an art installation allows us to leave our tracks along a floor covered with some coloured granulate thing...
I did the sketch above in the coffee-shop of the Centre, which opens to a small but nice-tended garden. The girls ran in the grass, played with the fountain water, from where they saved a bug from drowning, they drank juice and water and they also made their own drawings. We spent around twenty minutes here, at the most. During this lapse of time, we watched three groups of children come and go. They arrived in a line, sat at the tables panting for a few minutes, after which they started lining again, no time for a drink, headed to the exit under their (also panting) instructors' supervision.
I know that for many kids, this sort of organised activity is probably their only chance to visit a place like this. But two important things are missing in all of it: time and space. To stop and see, instead of run and look, to enjoy the place and the moment, or even to do nothing if that's what they feel like doing. As the journalist João Pereira Coutinho rightly pointed out, today “the child is not born into a family, but into a racing lane, with the usual obstacles: kindergarten at three, swimming lessons at four, piano at five, school at six. And an army of teachers, tutors, educators and psychologists, as if the child was a racing colt.” He only forgot that the race usually starts as early as at four months, when a nanny takes charge of the baby. And that apparently it never stops, for they're not given a rest, nor even during the holidays...