Tuesday, October 20, 2009

Spade-leaf plant / Espada-de-água


Suponhamos que duas pessoas vão dar um passeio; a primeira desenha bem, a outra não tem qualquer inclinação para essa actividade. Suponhamos que tomam um caminho pelo meio da verdura. Os dois indivíduos perceberão dois espectáculos muito diferentes na mesma paisagem. Um verá o caminho e árvores; aperceber-se-à de que as árvores são verdes, embora não pense minimamente no assunto; verá que o sol brilha e que esse brilho produz um efeito agradável, e é tudo! Mas que verá, pelo seu lado, o desenhador? Os seus olhos estão habituados a investigar as causas da beleza e a penetrar os mínimos recessos das coisas que o atraem. Olhando para cima, observará como, num feixe de linhas luminosas, os raios de sol chovem e se derrama, lá no alto, sobre as folhas rebrilhantes, impregnando o ar de uma claridade esmeralda. Descobrirá aui e ali um ramo que aparece por entre o véu das folhas; verá, cintilando como uma jóia, o musgo esmeralda e o coloridofantástico dos líquenes, brancos e azuis, púrpura e vermelhos, que se misturam e fundem harmoniosamente num mesmo alarde de beleza.Seguir-se-ão, aos seus olhos, os troncos escavados e as raízes nodosas, que se agarram, com os seus anéis de serpente, ao declive brusco cuja terra coberta de relva se enfeita de flores de milhentos tons. Não será tudo isso digno de ser vist? E contudo, quem não saiba o que é desenhar, depois de percorrer o caminho ladeado de verdura, nada, ao chegar a casa, terá para dizer ou em que pensar, a não ser que passou pelo caminho em questão.
(John Ruskin, citado no livro A Arte de Viajar, de Alain de Botton)
Finalmente, encontrei uma justificação para o facto de me perder tanto nos pormenores... O desenho lá de cima foi feito numa tarde de pesca, no rio Sabor, com grafite e lápis de cor, no caderno de campo, nos minutos roubados a perseguir a mais pequenina, que entretanto se descalçou umas seis vezes e trepou a 90% das rochas das redondezas...
É de notar que a admiração de Ruskin pelo desenho não se concentrava no talento do desenhador ou na qualidade do produto final (aliás, ele depreciava os seus próprios desenhos). Pelo contrário, ele via importância e valor no próprio acto de desenhar, pois acreditava que a sua prática nos ajudava a ver melhor.

* * *


Let two persons go out for a walk; the one a good sketcher, the other having no taste of the kind. Let them go down a green lane…The one will see a lane and trees; he will perceive the trees to be green, though he will think nothing about it; he will see that the sun shines and that it has a cheerful effect; and that’s all! But what will the sketcher see? His eye is accustomed to search into the cause [my bold] of beauty, and penetrates the minutest parts of loveliness. He looks up, and observes how the showery and subdivided sunshine comes sprinkling down among the gleaming leaves overhead, ‘til the air is filled with the emerald light. He will see here and there a bough emerging from the veil of leaves, he will see the jewel brightness of the emerald moss and the variegated and fantastic lichens, white and blue, purple and red, all mellowed and mingled into a single garment of beauty. Then come to the cavernous trunks and the twisted roots that grasp with their snake-like coils at the steep bank, whose turfy slope is inlaid with flowers of a thousand dyes. Is not this worth seeing? Yet if you are not a sketcher you will pass along the green lane, and when you come home again, have nothing to say or to think about it, but that you went down such and such a lane.
(John Ruskin in The Art of Travel by Alain de Botton)


I've finally found a justification for my habit of focusing on all the tiny details... The sketch above was made during a fishing afternoon at river Sabor. I made it in the few minutes of relative quietness, while I was not chasing my smaller daughter who meanwhile took off her shoes some half dozen times and climbed at least 90% of the rocks around us...
It is to note that Ruskin's admiration for drawing was not focused on talent or the final product – even Ruskin downplayed his own sketches as unoriginal and listless. Instead, he saw value in the action. The practice of drawing, he believed, evolves the individual from a “looker” to a “seer.”

13 comments:

  1. Eu sei que vou dizer uma atrocidade mas prontos... é por isso que eu tiro fotografias.

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  2. Olá! Na verdade, não acho que seja nenhuma atrocidade, dependendo da forma como tiras as fotografias. Conheço fotógrafos que vêem tudo em tanto ou mais detalhe do que eu e ponderam muito antes de tirar uma fotografia, fazendo experiências, procurando diferentes ângulos, esperando que uma nuvem se afaste, até conseguirem o retrato mais fiel da impressão que aquela paisagem / objecto lhes causou.

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  3. É um facto e penso que muitas vezes sou um pouco assim, pelo menos na atenção aos detalhes. Mas não na decomposição da imagem, da estrutura da imagem, que o desenho permite expôr. Na fotografia acontece-me algo muito mais experimental, muito mais inconsciente. Por isso é que eu próprio acho uma barbaridade a comparação. porque o desenho te dá outros instrumentos de análise, que a fotografia não permite. Embora seja possível olhar com outra intencionalidade, um pouco como o texto indica.
    E na realidade, vou-te contar: neste Verão fizémos um passeio na Serra da Estrela orientados por um entomólogo. O passeio durou mais de uma hora e andámos menos de 500 metros. O que aquele homem descobre a torto e a direito, a par e passo, atrás de cada buraco, de cada pedra, de cada folha... é outra forma de olhar e contagiante, digo-te! Quando saimos de lá todos nós víamos coisas a mexer por todo o lado, que antes não víamos, mas estavam lá de certeza!
    Desculpa o tamanho do comentário.

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  4. Não, não desculpo. Pelo contrário, até agradeço. Também tenho feito umas saídas de campo, mas com um botânico (nota-se pelos desenhos, não é?), e fico com a mesma sensação. Também andamos pouco, mas vemos muito.

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  5. Fiquei com o sentido naquela compota... adoro novos sabores mas no que toca a plantas, bagas raízes e quejandos fico cheio de medo que não seja aquela espécie mas a outra do lado que ooops! por acaso é venenosa.
    Adorava experimentar cozinhar com urtigas, dentes de leão, fazer saladas de flores, chás disto e daquilo, mas tenho receio do que não conheço. E não é um campo em que esteja disposto a "arriscar" sozinho, sobretudo nesta fase da minha vida.

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  6. Olha, quanto ao pilriteiro, não tem que enganar. É a única espécie de Crataegus que existe em Portugal, e as folhas são muito diferentes de tudo o resto que possas encontrar com bagas semelhantes (podes ver as folhas num desenho que fiz num post anterior). Por outro lado, mesmo que conseguisses enganar-te (o que é praticamente impossível!), acho que as únicas plantas com bagas parecidas são as roseiras bravas, que também são comestíveis e ao que dizem, também dão excelentes geleias.

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  7. I like all the detail. Its a good excercise for observation.
    Kids always give us more activity than we planned.

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  8. Não consigo enviar mails por alguma razão que desconheço... podes mandar tu um para rgotten@netcabo.pt? talvez assim já dê! beijinho

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  9. Heeo Pequete,
    It has been too long since I visited. Glad you liked my red berries in a row.
    I do like your journal pages. Also I did not know that you could make jelly with the Hawthorn berries.
    If only we lived closer, we could go sketching together.
    Milly

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  10. Hello Pequete,
    Sorry about the silly spelling...I have no idea how that happened..heeo

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  11. Milly, it would be SO great if we could go sketching together. It's hard to find out someone who likes to draw the same things as you. Oh well, who knows, if you ever come to Portugal on a holiday, send me a message!
    Meanwhile, merry Christmas and heeo to you too!

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  12. Olá!

    Antes de mais queria dizer que li o livro "A Arte de Viajar" há uns aninhos e ficou um dos meus favoritos, abre-nos os horizontes, e faz-nos ver de uma outra forma o nosso viajar até ao simples passeio.

    Lembro-me do trecho do desenho e de na altura ter experimentado desenhar várias paisagens e promenores. A fotografia na altura tinha-a colocado de lado. Hoje, e uma vez que a actividade profissional também já por ela passa, vejo e sinto as coisas de outra forma. Através da fotografia estamos também sempre há espera daquele promenor interessante, o enquadramento perfeito, o momento inesperado.

    Na verdade tudo depende de nós, com desenho, com foto, ou mesmo só connosco próprios, podemos ver coisas que mais ninguém vê.

    No outro dia, durante o workshop da Técnica Alexander fizemos um exercicio no meio do campo que era estarmos 5 minutos sozinhos e fazer o que quisermos. Em grupo, separámo-nos, e aqueles 5 minutos foram espectaculares!

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  13. O meu caderno de esquiços tem andado um pouco abandonado, mas entendo bem o que o J. Ruskin quer dizer. Ver se me inspiro por aqui e se retomo os meus pensamentos desenhados.
    Também tenho um especial interesse em conhecer as características e usos das plantas e gosto bastante de as desenhar para fixar melhor as suas características físicas.

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